Acerca de mim

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Poeta por inspiração e imposição da alma... Uma pessoa simples, que vive a vida como se fosse a letra de uma canção, o enredo de um filme, a preparação para uma vida superior, à espera da eternidade e do encontro com o Criador.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Leituras


Nada está escrito.
Tudo está escrito.

Escolhe e vive
escreve ou reescreve
a opção é tua
seres sol ou lua
calor ou fria neve.

Escreve ou reescreve a tua história
mas não deites a culpa ao destino
se perdeste a inspiração.
Porque nada está escrito
ou tudo está escrito
depende se sabes ler ou não.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Mais nada além disto


Eu
não sei quem sou
só sei
que nasci e existo
e não sei
mais nada além disto
do trabalho que faço
e da roupa que visto…

Felipa Monteverde


quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Acróstico


VENENO TEU

Vens tão de mansinho
E olhas p’ra mim
Nada tu me dizes
E eu quedo-me assim...
Nada…e me matas
Olhando pra mim.

Tens olhos que matam...
Eu sei que é veneno
Um olhar assim.

 Felipa Monteverde

terça-feira, 2 de outubro de 2012

O enjeitado


Era um dia, era uma hora
Mas era uma hora má
Num dia de descoberta
De uma coisa que não há.

Gemiam medos na noite
Gelava o sangue aos demais
E cenas de descalabros
Se davam em todo o lado
Como se fossem sinais.

Era a hora, aquela hora
Em que nascia a tristeza
Humildemente pedindo
O que ninguém lhe daria
Em toda a sua pobreza.

E ela ia nascer
Aquela hora fatal
Em que os mares se fechavam
Sobre esse limbo imortal.
Era o momento, era o dia
Choravam trevas, mendigos
E tantos sonhos perdidos
Que ninguém encontraria.

Era uma vez um momento
Que ninguém conheceria
De trevas, marés, tormento
Mais distante do que o tempo
Que nunca se contaria.

Era uma manhã cinzenta
Rasgava um ventre, nascia
Um fado que não se inventa
Nem se descobre ou alenta
Que ninguém o quereria.

Era a hora, aquela hora
Que o destino ocultaria
Mas não deitaria fora
Como se fora penhora
Que mais tarde cobraria.

Ele nascia, o mendigo
O enjeitado, infeliz
Que ninguém quis ter consigo
A quem ninguém deu abrigo
Que nem sua mãe o quis.

Em trevas, negros espaços
Viveu sem ter uma vida
E ninguém lhe deu guarida
Nem se abriram abraços
Nunca se ouviram os passos
De uma esperança querida.

Era noite, era manhã
Era inferno, era quebranto
Era maré de espanto
Feitiço nem lá nem cá
Apenas se movem sombras
Nessa noite de alaridos
Em que o sopro do vento
Disfarçava tais gemidos
Abafados pelo tempo
Escondidos pela aurora
Que se envolvia de luz
E de trevas nessa hora.

Nasceu, o mundo o disse
O mundo o permitiu
Que ninguém mais sabe disso
Ninguém mais o percebeu.

Ó vida que entras nas veias
De um mendigo, de um ladrão
Que rouba sonhos no tempo
Para os dar à escuridão
Onde habitam os seus olhos
Onde se esconde a tristeza
Perdida nos horizontes
E sobre ombros em que pesa
O fado de renascer
Os abismos onde mora
Onde procura esquecer
A hora daquela hora.

E aquela hora passou
Mas não passaram tormentos
Nem o tempo se acabou
De ilusões e lamentos.
Cresceu menino, estrela
Que foi à força apagada
Viveu no lodo, nas ervas
No meio de tudo e nada.

Mas houve horas, outras horas
Em que nasciam princesas
Em que as estrelas brilhavam
Em que luziam riquezas
Pelos cantos e esquinas
Pelas ruas e caminhos
Por palácios e castelos
Por canteiros e jardins
Onde as rosas não têm espinhos
Onde cantam serafins
Onde a lua se esconde
Onde o sol se vai deitar
Onde se constroem pontes
Em passeios ao luar.

E era a hora, era o dia
E uma princesa nascia
Entre sedas e cetim
Entre roseiras e cravos
Entre as flores do jardim
E enfeitavam o berço
Os poemas de jograis
Que cantavam o começo
Dos dias especiais
Em que a lua se mostrava
E em jardins passeava
Entre aromas irreais.

Passaram horas, os dias
Os meses e tantos anos
De dores e de alegrias
De ilusões e desenganos
E as princesas brincavam
E as flores já murchavam
E toda a gente ignorando
Profecias que abundavam.

Era uma vez um destino
Que se fadou nas estrelas
De um enjeitado menino
Que crescera sem cautelas
Nem cuidados maternais
Nem amores ou sinais
De cantos ou madrigais.

Só um perfume de nardo
Inebriava à passagem
E o rastro do enjeitado
Perdia-se nessa aragem
De ventos e tempestades
De sombreadas esquinas
Onde o tempo mente sombras
De princesas, de meninas.

Cresceu pastor de rebanhos
Por montes e serranias
Por tempestades de ais
Por caminhos infernais
Por temores imortais
E quebrantadas folias
Em reinos de fantasias.

Cresceu pastor de rebanhos
Cresceu menino entre o gado
E a sina de enjeitado
Nunca mais o deixaria
Que até a terra gemia
Ao sentir seus passos tristes
De caminhante perdido
No meio da ventania.

Eram jardins de segredos
Onde a lua ia brincar
Onde o sonho era arvoredo
Onde habitava o luar.
Princesas, aias, meninas
Florinhas da realeza
Que se entretinham tecendo
Coroas de ouro e marfim
Enquanto ouviam histórias
De reis, rainhas, princesas
E bailes sem terem fim
Em salas que têm paredes
De caxemira e cetim.

Crescem princesas, pastores
Cresce a noite e o luar
Cresce o princípio das dores
Que ninguém sabe curar.

Passam dias e outros dias
Passa o tempo, cresce a vida
E passam verdes promessas
Passa a esperança perdida
Roubada ao sonho e à morte
Que se ocultaram na sorte
Que permanece escondida.

Houve tempos, houve auroras
Em que o luzir das estrelas
Acordava a nostalgia
De quem vive longe delas
E pelos montes dormia
Nos montes passava horas
Com rebanhos, com as flores
Que pra si mesmo colhia
Entre visões de olhos negros
De uns cabelos enfeitados
Com rosas, cravos e dores
Com feitiços mal quebrados.

Era o dia, era a noite
Era o tempo, a nostalgia
Que passavam e corriam
Pela beira de quem ia
Matar de amores a sede
Nos montes, na serrania.

Solidão, ó feiticeira
Que enfeitiçaste os meus olhos
Porque te afastas na noite
E não desvias escolhos
Do tempo que há-de vir
Do tempo que há-de chegar
Em que trevas e feitiços
Serão lançados no mar?

Era enjeitado, sabia
Que nenhum amor teria
Que ninguém amor daria
A quem não sabia amar;
Desespera, todavia
Quem amor não conhecia
Por não lho quererem dar
Nem sabe onde o procurar
Nem onde o encontraria.

Olhos negros, olhos negros
Que visão encantadora
Que o visitando em sonhos
Luziam p’la noite fora
E lhe deixavam a esp’rança
De um dia os encontrar
Como ao sol encontra a aurora
Como à lua a noite alcança.

Olhos negros, olhos negros
Que são tristes, são alegres
São humildes fantasias
De quem anseia e procura
As ignotas alegrias
Trazidas pela ventura
Ilustradas na candura
Das ilusões em que cria.

Perdia-se por um olhar
Que nunca havia avistado
Que só podia ansiar
Que só podia querer
A esse olhar encontrar
Esses olhos conhecer
A esse rosto já ver
Sem que estivesse a sonhar.

E sonhava, mal dormia
No meio da serrania
Guardando amores e gado
Que outra coisa não sabia
Nem era outro o seu fado
Ou sina de enjeitado
Nem outra coisa teria.

E sonhava, mal dormia
No meio da serrania
Entre lençóis de aspereza
Feitos de palha e de erva
E mantas de fantasia
Com que ao corpo cobria.

E lá distante, deitada
Entre lençóis de cetim
E colchas de fina seda
Dormia certa princesa
A quem um sonho embalava
E docemente chamava
E ternamente a tem presa
Entre abraços que lhe dava.

Dormia profundamente
Que nada abalaria
O sono calmo e suave
Onde nada de mal cabe
Que só o amor lá cabia
Nos sonhos que já teria
Sem que ninguém os apague
Do fogo em que já ardia.

Dormia a princesa assim
Entre lençóis de cetim
E colchas de seda pura
Não imaginando a vida
Vivida por quem não tinha
Tais colchas de seda fina
Nem lençóis, nem a ventura
De quem nasce num jardim
E é flor, é alecrim
É rosa de Alexandria.

O tempo passa e não passa
Que ninguém o vê passar
Mas vão-se os montes tingindo
De amarelo e de luar
Vai a noite perseguindo
Sonhos que hão-de acabar
Vai o sol indo e vindo
Sem ter pressa de ficar.

Pastor olhando rebanhos
Pastando nas ervas mansas
Rasteiras como este chão
Onde dormes e descansas
Por onde passam teus olhos
Por onde passam teus ais
Que caminhos já escolhes
Por que caminhos já vais?

Por onde passam teus sonhos
Por onde passam desejos
Que já não bastam os montes
Para guardares teus pejos
E anseias algo incerto
Que desconheces mas amas
Que nunca viste por perto
Mas por quem em sonho chamas?

Pastor, pastor, ai a vida
Ai o tempo, ai o amor
Que te pregaram partidas
Que te embruxaram na dor
De quem nasceu homem feito
Sem ter direito ao calor
De abraços, de um abrigo
De uma carícia menor
Que não lhe fosse castigo
Se ilusão já não for…

E longe, longe, lá longe
Uma princesa dormindo
Uma princesa brincando
Sem cuidados nem castigos
Nem esforços, só cantando
Cantigas que lhe ensinaram
As amas, aias, criadas
Que a rodeiam, que a veneram
Que lhe são por empregadas
A quem não se dá direitos
A quem não se dá valor
Mas que são amores-perfeitos
No jardim de uma só flor.

Ora um dia (há sempre um dia
Em que a má sorte se agita
E remexendo destinos
Orvalhando solidões
Vai transformando caminhos
Em veredas de paixões
Por onde as sortes de cruzam
E onde fados se enlaçam
Torturando corações
Como presas que se caçam
E se esventram, se esmagam
Como bolas de sabão
Que num sopro se desfaçam…)

Ora o dia, nesse dia
Era um dia temperado
Nem chuva, vento ou calor
E estava o céu azulado
Voavam aves cantando
Estava a Primavera em flor
Estavam ovelhas pastando
Estava contente o pastor
Que na flauta ia tocando
Melodias a um amor
Que em seu peito está morando.

(Estava tudo bem, e entanto
Tudo ia mudando a cor
Tudo se ia transformando
Em cenário de terror.)

Estremeceram ovelhas
E as aves se agitaram
Do céu vieram centelhas
As nuvens se aproximaram
O céu cobriu-se de negro
Todo o monte era um degredo
Que até as flores murcharam
E as aves se calaram
E a flauta do pastorinho
Perdeu o som no caminho
Abriu-se um pranto no céu
E um choro de dor choveu…

E os ventos, ventanias
Porfiando desatinos
Sopravam nas serranias
Toda a raiva dos destinos
Que são marcados a ferro
Que são escritos na pedra
Que são temores e medo
Que são paixão muda e cega.

E então…
Acordaram tempestades
Em corações enjeitados
Que sozinhos já cresceram
Que isolados já viveram
Que sempre sós estiveram
Como reles condenados
A desterros, a degredos
Sem serem disso culpados.

E ouviu-se o grito de dor
De um coração desprezado
De um coração sofredor
Que não quer mais suportar
A solidão e a dor
De ser sempre um desgraçado
De ser pra sempre enjeitado
De ser um pária, um escravo
Um solitário pastor…

E lá longe, uma princesa
Entretida nos bordados
De toalhas para a mesa
De lençóis, de naperons
Desenhava corações
Em paninhos adornados
Com o sol do seu jardim
Com sorrisos de marfim
Com segredos bem guardados…


E a lua cresce na noite
E o luar se entretém
A esconder sonhos e fados
Pelas sombras de ninguém.

Ouvem-se passos nas trevas
Já se escondem nos beirais
Os silêncios de promessas
Que não se esquecem jamais
E a noite esconde segredos
De sentimentos, de medos
E de amores imortais.

E há olhos negros chamando
Através de um pensamento
Que assim voa, atravessando
As marés de mar e vento
Que são feitas de quebranto
Que são feitas de lamento
E se transformam num fado
Cantado sem fingimento
Pelo olhar de um enjeitado
Que ali está nesse momento.

Abrem-se portas na sombra
De uma espera atormentada
E há olhos negros, de pomba
Há muito tempo encerrada
Espreitando entre as grades
De uma gaiola dourada.

Olhos que são duas monjas
Duas brilhantes estrelas
Dois faróis no nevoeiro
Dois castiçais, duas velas
Dois bagos de azeitona
Dois sonhos de amazona
Duas meninas tão belas…

Olham-se amores, destinos
Olham-se sortes e fados
Um em trajes leves, finos
E outro em farrapos rasgados
Mas só se olham os olhos
Só se entrelaçam as mãos
E se estremecem os sonhos
E se encantam corações
Só se abraçam as saudades
E se acendem as paixões…

E estremecendo suspiros
Chega a manhã e o dia
Chegam sonhos perseguidos
Chega a ilusão e a magia
De enamorados encontros
De apaixonadas entregas
De um oculto romance
Em que a memória se nega
A sofrer as amarguras
Trazidas nessa maré
De fados e desventuras
De crenças, amor e fé.

Gemem amores no peito
Guardam com eles suspiros
De inusitados defeitos
Por tanta gente assumidos
Em que pobreza e riqueza
Não devem ter fantasias
De se juntarem à mesa
E partilharem alegrias.

Foram sentidos profundos
Os que ligaram destinos
De almas que se juntaram
Entre cantares divinos
Em passeios ao luar
De mãos dadas e unidas
De orações no verbo amar
Na junção de duas vidas
Entre promessas e beijos
Entre sonhos, entre fados
Que estremecem os desejos
E as noites dos dois amados.

Sonho, matéria disforme
Que disfarçando amarguras
Vai penetrando a fome
De quem anseia ternuras
E se entrega ao destino
Como a um amo cruel
Como a cruel assassino
Que se entranha na pele
De quem se faz peregrino
Seguindo um sonho só dele…

E há corpos que se entrelaçam
Há bocas que se amordaçam
Há desejos, há suspiros
Há sonhos adormecidos
Há desesperos contidos
Que, despertando, se enlaçam
Entre cetins, alvo leito
Em que se encostam os peitos
De dois amantes, dois fados
Que finalmente abraçados
Enternecidos se olham
Enamorados se abraçam…

E amanheceu…
Nunca o sol assim brilhara
Nem a manhã fora rosas
Que acordando se espreguiçam
Entre aromas de jasmim
Espalhando cheiros de amor
Espalhando a brisa em auroras
Esquecidas num alvor
De sossegados luares
Num perfumado jardim
Entre cantos e cantares
Em que o amor nunca tem fim.

E amanheceu…
Despertaram os temores
Os medos, as nostalgias
Que se entranhando na alma
Vão roubando as fantasias
De quem se deixou levar
Por amores e paixões
Sem temer nem recear
O despertar de razões
Que possam anunciar
Torturas, mortes, prisões.

Apenas uns olhos negros
Olhavam sem entender
O temor nuns olhos belos
Que olhavam sem nada ver
Da beleza e do encanto
De momentos já passados
Mas sofriam a tortura
De ter no peito a tristura
No coração guardar fados
Que conduzem à loucura
E amar, amar, amar
Amar apenas… ventura
Que se nega a enjeitados…

(E era enjeitado, e sabia
Que de o ser não deixaria…)

Afastaram-se os amantes
Entre beijos, entre olhares
Em que se davam amores
E condenavam distâncias…
E aumentavam os penhores
De penas que amor alcança
Quando dois fados se cruzam
Sem disso terem direito
Como se fossem traidores
E cruéis enganadores
Cada um do próprio peito.

Passava o dia e as horas
E vinha a noite por fim
Vinha o luar e a aurora
Vinham sombras ao jardim
Em abraços à loucura
De amar sonhos perdidos
Como em cantigas de outrora
Se cantavam destemidos
Príncipes, que combatiam
Contra dragões e suspiros
E amores despeitados
Em que princesas se riam
De segredos de enjeitados.

(E era enjeitado, e sabia
Que de o ser não deixaria…)

Temia amor, e temia
Até o riso daquela
A quem entregava a alma
A quem entregava a vida
Por quem perdia a cautela
Por quem feliz morreria
E se perdia em jardins
Entre aromas de jasmins
E leitos que eram dela.

Tudo era dela, só dela
Que ele nada tivera
Para dar a uma princesa
Que em berço de oiro nascera
E que tanto o abraçava
E ternamente beijava
E dizia ser sincera…

Ó ciúme, cruel amo
De corações enjeitados
Por que penetras a carne
Por que penetras o peito
Onde o amor é escravo
E não resiste à loucura
De crer em monstros e bestas
E rejeitar a ternura
De uns negros olhos, carentes,
De apaixonada candura?

Por que te entranhas no peito
Com gestos de falsidade
E iludindo aos amores
Vais enganando a verdade
E penetrando na pele
E preenchendo a alma
Com dúvidas e temores
E atiçando as dores
De quem só quer ser feliz
Amando um cândido olhar
E deixando-se abraçar
Perdidamente entregando
Toda a alma, todo o ser
Que nada é seu, nada quer
A não ser essa mulher
Nos seus beijos se perder
E nos seus braços morrer?…

Iam passando os dias
E o amor ia aumentando
E a paixão já cegando
Cruzada de outras esferas
Em que morrem primaveras
Por amores se imolando.

Vinham noites de ternura
Vinham dias de ansiedade
Vinha o medo e a lonjura
Receios da mocidade
E era enjeitado, e sabia
Que nada do que fazia
Era por sua vontade.

Paixão de mortes e fados
Amor de sinas e medos
Que envolveis os amantes
Em mistérios e segredos
Onde escondeis a virtude
O sonho e a castidade
Que negais à juventude
Que mentis com a verdade
Que ilude a quietude
E o sono da mocidade?

Mas passaram esses dias
De uma harmonia suave
E a serra se transformando
Numa cruel liberdade
Em que as aves vão cantando
As flores se perfumando
E os animais já pastando
E as folhas se transformando
Em tons de final de tarde
E tudo dessa essência
Se torna dor e fastio
E saudade e desafio
De ser barco, ser um rio
Ser mar, ser onda, navio
Para acalmar esta ausência
Que no peito se contrai
Causando mágoa e demência.

E arrisca-se uma tarde
A ver amor ansiado
Que a noite é sol que não arde
É como um lume apagado
E é agora uma fogueira
Num coração abrasado
Que queima a alma em lume
Que queima o peito em ciúme
E cega amor, abre um fado.

E amor vai, já tremendo
De antecipado ardor
De um esperado calor
Nuns braços que o esperam
Com saudade e ânsia e dor
Que a morte já se anuncia
Com seus clarins, seu clamor
E é preciso abraçá-la
Que o desespero é maior
Quando se perde a razão
E se procura a loucura
Nos aconchegos do amor.

Vinham pastores cantando
Uma canção que aprenderam
Cantada por moças tristes
Que num dia envelheceram
Mil anos, mil juventudes
Que passaram e tremeram
Ao ouvir a triste sina
Dos amantes que morreram.

Contam que foi tal e qual
Tal e qual todos o dizem
Que um dia um enjeitado
Se tornou enamorado
De uma bonita princesa
Por quem também foi amado.

E amavam-se, queriam-se
Eram um só, um só fado
Que em noites de ardente amor
Se encontravam, se perdiam
E a dor que um no outro via
Era um sonho enganador
Que assim aos dois atraía
No desespero e temor
De verem chegado o dia
E com a aurora, o alvor
Arauto da despedida
Ausência de amor e vida
Que o dia era um traidor.

E não suportando a ausência
Um do outro, na paixão
Que um e outro envolvia
Resolvem em certo dia
(ou certa noite, não sei)
Terminarem a agonia
E viverem na alegria
De serem princesa e rei.

E nessa hora fatal
A princesa se abraçou
Ao destino de um pastor
E para o bem e o mal
Em pastora se tornou.

E ele era rei da serra
Era o dono da paisagem
Imperador de uma terra
Onde a natureza encerra
Trejeitos de vassalagem.

Foram felizes os dois
Por esses dias e horas
Amavam-se e enterneciam
Cada um em cada olhar
E o amor que sentiam
Cada vez a aumentar
E já nem medo sentiam
De alguém os encontrar.

Mas princesas são princesas
Estão de algum modo presas
Ao destino de o ser
E aquela era cativa
Que um dia foi prometida
Pelo pai, ainda menina,
Noiva era, sem saber.

Viveram dias felizes
Na amplitude da serra
E era o amor mais lindo
Que num coração se encerra.

Mas a escuridão surgia
Surgiam trevas à espreita
Que em corações de amantes
Sempre uma pena se ajeita
Adormecendo no leito
De um atormentado peito
Que abraça sonhos dolentes
E beija medos gementes
Sibilando profecias
De amores e agonias
Que se aproximam, dementes…

Era a princesa mais linda
Era um pastor enjeitado
Era o amor e a magia
Era profecia e fado
Era o medo, era a lonjura
Era o sonho, era a ternura
Era tudo e nada era
Que nunca ninguém soubera
Dizer amor à loucura.

Vieram tristes soldados
Homens leais e honrados
Cuja honradez os perdia
E apartaram os amados
Rasgaram em mil bocados
O louco amor que os unia.

Levaram essa princesa
A um pai que a exigia
Que nunca na realeza
Se permitiu à pobreza
Ter sentimentos e dores
Por quem mais alto se via
Por quem mais alto morava
E mais alto se encerrava
Em torres de nostalgia.

Veio a princesa em escolta
E escondeu a revolta
Que no seu peito sentia
Pra não despertar no rei
Maus sentimentos ou lei
Que ao seu amado perdesse
Ou entregasse à prisão
Ou condenasse à expulsão
Ou ao degredo, ou à morte
Às galés, à escravidão….

Pobre pastor enjeitado
Pobre amor tão mal fadado
Que o aconchego e a sorte
Deixaram abandonado
Deixaram sem alegria
Deixaram sem compaixão
Deixaram-lhe a nostalgia
Mataram-lhe o coração.

Chora o pastor a paixão
Chora o seu peito ferido
Chora a dor dessa ilusão
Que o deixara adormecido
E iludindo a desgraça
Que ao nascer recebera
Tentara amar, ser amado
E tinha-se apaixonado
E tanto amor concebera
Que nunca houvera pensado
Que o seu amor nada era
Se comparado à riqueza
Se comparado ao esplendor
Que rodeia uma princesa
Que se impõe à beleza
Do mais puro e nobre amor…

Chora o pastor o seu fado
Chora a princesa a má sorte
Que a afasta do seu amado
E a leva para a morte
Pois viver ao lado de outro
A matará de desgosto
Ainda antes do sol-posto…

E morre ao chegar a noite
Ao sentir-se aproximado
O momento indesejado
De se entregar sem amor
E trair seu coração
Sem culpa ter da traição
Que faria ao seu amado.

Morre de amor, de paixão
Não é capaz da traição
Não é seu o coração
Que traz guardado no peito
E morre sem dar um ai
Cai nos braços de seu pai
Que com espanto e sem jeito
Sem entender nem pensar
Se deixa cair também
E vem acudir a mãe
O noivo e a comitiva
E toda a gente se agita
Todos gritam e acorrem
Todos se benzem e correm
A chamar quem de direito
O doutor, o padre, a lei
Que são amigos do rei
E saberão com certeza
Curar do mal a princesa…

Mas a princesa jaz morta
E o rei jamais se conforta
Sem entender esse amor
Sem entender essa morte
E a rainha também
No seu coração de mãe
Sente que a morte já chega
E toda se lhe entrega
E cai doente na cama
Sem entender nem querer
Sem perceber nem cuidar
Ou sequer o desejar
Do que matou a princesa
Só sabe que ela morreu
A filha que Deus lhe deu
E morta também quer estar…

E chora o pastor o fado
De ser sempre um enjeitado
Ignorando que a amada
Há muito fora enterrada
Há muito arrefece e jaz
Há muito deixara o mundo
Por ter sido incapaz
De trair seu coração
Trair um amor tão forte
Que a ligara a um pastor
E a entregara à paixão
Que a levaria à morte
Por amor, por esse amor…

E então o vento falou
E o enjeitado escutou
Palavras que o vento diz
Palavras que o vento traz
Palavras de amargura
Sussurradas ao ouvido
De quem não fora capaz
De confiar no amor
De acreditar na pureza
Palavras vindas de longe
De uma fria sepultura
Onde jaz uma princesa...

Vinham pastores cantando
Uma canção que aprenderam
Cantada por moças tristes
Que num dia envelheceram
Mil anos, mil juventudes
Que passaram e tremeram
Ao ouvir a triste sina
Dos amantes que morreram.

Contam que foi tal e qual
Tal e qual todos o dizem
Que um dia um enjeitado
Se tornou enamorado
De uma bonita princesa
Por quem também foi amado.

E ao saber que ela morrera
Ao saber que falecera
A princesa, o seu amor
Enlouquece nessa dor
E tenta matar o rei
O tirano, o ditador
Que lhe tirara a amada
Que ela, desesperada
Morrera por seu amor
Por esse humilde pastor
Que por ela mataria
Quem de si a arrebatara
Quem de si a apartara
Quem do seu lado a levou
Quem a traíra e matara.

E entrou no real Paço
Para matar com seu braço
O rei cruel, que dormia
Sem remorso ou nostalgia
Nem amostras da saudade
Que ao pastor já roía.

Matá-lo sem compaixão
Sem pundonor ou perdão
Apenas melancolia
Desespero, raiva e dor
Gritando por um amor
Que consigo o levaria.

E ergueu a sua mão
Para matá-lo, e então…
Matá-lo não conseguiu
Pois antes disso morreu
De comoção e tristeza
Ao recordar a princesa
Dona do seu coração
Que do alto lhe acenava
E para si o chamava
Com ternura e afeição
E com a mesma paixão
Que em tempos que já lá vão
Por amor se lhe entregava…

Cantam pastores na serra
Uma canção que aprenderam
Cantada de terra em terra
Canção que fala de amor
De amantes que se entregaram
Na paixão em que se amaram
E por esse amor morreram
Por essa paixão imensa
Por essa dor tão intensa
Que dos seus peitos brotara.

Contam que foi tal e qual
Tal e qual todos o dizem
Que um dia um enjeitado
Se tornou enamorado
De uma bonita princesa
Por quem também foi amado.

E o resto era mais um fado
Cantado na solidão
De um bosque, na escuridão
De uma espera angustiada
Por uma noite de amor
Numa eterna madrugada
Onde se incendeiam almas
E ardem corpos na chama
Com que se sente o amor
Astro-fogo, chama-ardor
Da eterna paixão e dor
Em almas que se abraçam
Em corações que se enlaçam
Entre ilusões e pudor
Entre a loucura e o engano
Entre a raiva e o amargor
Entre o desejo insano
De amar sem lei ou temor…

Cantam pastores na serra
Uma canção que aprenderam
Cantada de terra em terra…

FELIPA MONTEVERDE

(Esta xácara foi escrita para o fórum "Nosso Grupo" (http://nossogrupo.com.pt/forum/index.php) entre 16 de Novembro de 2009 e 2 de Fevereiro de 2010, onde foi publicada na secção "O meu Lusíadas")