I
Há dias pus-me na frente
Dum espelho onde me ria...
E ri, ri... ri francamente,
Porque não me conhecia.
Fui no meu rosto encontrar,
Por sobre o sulco dos anos,
A máscara que os desenganos
Me forçaram a usar.
No que o mundo me tornara!...
Quando ri, tornei a rir
De raiva - pra não cuspir
Na cara da minha cara.
Ri mais, porque só a rir
A mim mesmo me iludia...
Mas, se pudesse fugir
Com nojo de mim, fugia!
II
Pensei uma vez assim:
«Paciência... tinha que ser...
Cuspi sangue, foi o fim...
Acabou-se, vou morrer!»
Os amigos, afastados,
Diziam-me, sem me olhar,
Que não me vinham falar,
Pra não serem contagiados.
Ao ver esses fugitivos,
Dizia, com desconforto:
«Morri, antes de ser morto,
Pra aqueles que vejo vivos.»
E quando os via afastar,
Sentia, com mágoa infinda,
Vontade de lhes gritar:
«Não fujam, sou vivo ainda!»
Então, já desesperado,
Preso nas garras do mal,
Era como o condenado
Esperando o golpe fatal...
Vemos o fugaz encanto
Da vida - que é falsidade -
Na morte - que dura tanto
Quanto dura a eternidade!
(retirado de ESTE LIVRO QUE VOS DEIXO II - editora Casa das Letras)
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